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Crise na assistência judiciária revela descaso do governo com assistência judiciária

Crise na assistência judiciária revela descaso do governo com assistência judiciária

Crise na assistência judiciária revela descaso do governo com assistência judiciária

Tito Bernardi

A crise entre a OAB de São Paulo e a Defensoria Pública revela que, definitivamente, a asssitência judiciária aos carentes não é uma prioridade do governo de São Paulo. A Defensoria Pública do Estado distribuiu nota contestando a "carta aberta"  divulgada pela OAB de São Paulo, na qual informa que a Defensoria Regional de Jundiaí "garantirá o atendimento da população carente e andamento dos processos em caso de suspensão da triagem e da atuação nos processos pelos advogados do convênio Defensoria/OAB, que atuam na cidade de Várzea Paulista". Ao mesmo tempo, a OAB de São Paulo anunciou sua preocupação com a provável suspensão do pagamento dos honorários dos advogados do convênio do município de Campo Limpo, que poderá prejudicar cerca de 150 advogados, que atuam em aproximadamente 6 mil processos. 

A nota da Defensoria (leia a íntegra abaixo) subiu o tom da discussão. "A Defensoria Pública do Estado não se sujeitará a qualquer ameaça ou pressão", numa clara reação à carta da OAB. A Defensoria argumenta que suspendeu o pagamento de certidões de honorários, anteriores a 15 de janeiro, e originadas de indicação feita por funcionários da Prefeitura da cidade, "para análise em processo administrativo". A defensora pública coordenadora da Assessoria de Imprensa, Renata Tibyriçá, afirmou que houve uma irregularidade formal, uma vez que o convênio Defensoria/OAB prevê que as indicações de advogados conveniados devem ser feitas pela Subseção da OAB e não pela Prefeitura.

"As certidões de honorários emitidas de indicações feitas a partir de 15 de janeiro, quando a OAB informa ter sanado a irregularidade, serão pagas", disse Roberta. "Neste mês foram pagas cinco certidões referentes a indicações regulares".

Roberta afirmou que, a princípio, não há indícios de qualquer irregularidade mais grave nas nomeações e triagens. "Mas, por se tratar de dinheiro público, a Defensoria tem o dever de adotar todas as cautelas", frisou. Apesar de a OAB contar com o apoio da prefeiutra de Várzea Paulista há mais de dez anos, a Defensoria alega que só teve conhecimento da situação no final de 2007.

A defensora contou que, antes de a Defensoria Pública assumir o convênio (julho de 2007), "a OAB não pedia a aprovação da instituição para abrir novos pontos de atendimento". Em sua opinião, isso causava uma situação que dificultava o controle por parte da Defensoria. "Agora, a Defensoria está levantando todas as situações de atendimento, em diversos pontos do Estado, a fim de avaliar a regularidade e cumprimento das normas do convênio", informou. Não há prazo para o témino da análise.

OAB reage

Em outra nota, divulgada no final da tarde do dia 29, o presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, informou que a entidade está oficiando ao governador do Estado, José Serra, e ao presidente do Tribunal de Justiça, Vallim Bellocchi, informando que a decisão da Defensoria Pública de suspender o pagamento dos honorários pelos processos concluídos desde janeiro  pode prejudicar a prestação da assistência judiciária à população carente da cidade da Várzea Paulista, envolvendo 6.500 processos e quase 13 mil pessoas que constituem partes nestes autos.

D´Urso também encaminhará ofício ao corregedor-geral da Defensoria Pública de São Paulo, Carlos Weis, pedindo providências para que  o pagamento das certidões  emitidas pelo Poder Judiciário seja retomado, uma vez que os advogados patrocinaram de forma adequada a defesa dos direitos e interesses dos assistidos, e que se apure as responsabilidades  funcionais pelos fatos ocorridos.

Decisão ilegal e unilateral

O diretor tesoureiro da OAB paulista, Marcos da Costa, disse estranhar o que classifica de "decisão unilateral" da Defensoria, o que seria ilegal, deixando cerca de 150 advogados sem pagamento há três meses. Segundo ele, nas regras do convênio "não há a penalidade de falta de pagamento". Costa esclareceu que, caso o advogado inscrito no convênio pratique qualquer irregularidade, como por exemplo recusar o atendimento, pode ser suspenso ou excluído, mas uma vez que trabalhou no processo até o final, o pagamento tem de ser feito e não pode ser retido.

Costa ressalva que os pagamentos que deveriam ser feitos agora referem-se a honorários devidos por processos em que os advogados foram nomeados há vários anos. "Os honorários são pagos após sentença de primeira instância e no final, após o trânsito em julgado, em ações que podem estender-se por mais de dez anos", observou. "É dinheiro da subsistência dos profissionais, para manutenção de suas famílias, escritórios e pagamento de despesas, devidos pelo Estado em razão de um árduo trabalho desenvolvido por longos anos".

Os advogados que atuam no convênio trabalham com uma tabela de honorários diferenciada, recebendo muito menos do que em processos normais, por se tratar de atendimento a carentes. "Além de trabalharem recebendo por uma tabela com valores mais baixos, de caráter social, os advogados são surpreendidos por uma decisão unilateral", criticou Costa. "Os advogados não receberam qualquer comunicado por escrito da Defensoria, o que é um desrespeito".

Pelas regras do convênio, continuou Costa, o extrato enviado ao advogado no último dia do mês, com os valores consolidados que receberá no primeiro dia útil do mês seguinte, contém os processos em que atuou nos anos seguintes. "Se não houve qualquer penalidade ao profissional ou impedimento à sua atuação, o pagamento não pode ser suspenso de forma unilateral", protestou o diretor da OAB. "Principalmente porque o convênio não prevê esta situação", assegurou.

O repentino apego da Defensoria a filigranas burocráticas surpreendeu a OAB. Costa recordou que desde 1998 a OAB local contava com o apoio da Prefeitura de Várzea Paulista, que cedeu um imóvel, móveis e apoio material para o atendimento à população carente. A medida foi adotada por gestões anteriores para não onerar demais o orçamento da subseção local e sempre foi do conhecimento da Procuradoria Geral do Estado, que cuidava do convênio por meio da PAJ - Procuradoria de Assistência Judiciária.

"Essa forma de atendimento nunca foi questionada pela procuradoria", prossegue Costa, para quem o "ato unilateral da Defensoria, sem qualquer comunicação à OAB, pode causar a paralisação de cerca de 6.500 processos, causando prejuízos a mais de 12 mil pessoas carentes de Várzea Paulista".

A parceria com prefeituras é uma forma de a OAB SP diluir seu gasto anual de cerca de R$ 16 milhões com infra-estrutura para viabilizar o convênio, custo que sai do bolso de todos os advogados, que pagam anuidades, não só dos conveniados - frisou Costa.

Paralisação, nulidades e "imbróglio"

A insólita crise poderá ter desdobramentos processuais inusitados. Costa ponderou que, por medida de cautela, os advogados poderão deliberar, até para preservarem os direitos dos assistidos, entrar com pedidos de suspensão de todos os processos em que atuaram nos últimos anos, atingidos pela medida da Defensoria, solicitando ao Poder Judiciário que analise a legalidade de cada uma das nomeações feitas. "Se a Defensoria vem agora levantar dúvidas, depois de as nomeações aceitas e a atuação dos advogados por longos anos terem se desenvolvido sem qualquer obstáculo legal, talvez seja o caso de Poder Judiciário ter de analisar a regularidade de todos os processos envolvidos naquela comarca", argumentou. "É o caso de se perguntar se houve um vício de origem, na nomeação dos advogados, o que poderia causar a nulidade total".

A entrada dos defensores públicos nos processos em que já existem advogados nomeados também poderá ter repercussões processuais. Alguns juízes, por medida de cautela terão de comunicar aos advogados cancelamento de suas nomeações, já que a Defensoria não informou por escrito aos profissionais qualquer interrupção de seus serviços. E alguns advogados, discordando da legalidade da entrada dos defensores nos processos, poderão questionar o ato no próprio processo, ou ainda, requerer à OAB a instauração de procedimento disciplinar, uma vez que uma pessoa não pode ser assistida no mesmo processo por dois defensores diferentes. 

Depois que surgiu o questionamento com relação ao uso das instalações da Prefeitura de Várzea Paulista, a OAB providenciou a locação de um imóvel especialmente para abrigar o atendimento às pessoas que buscam assistência judiciária no município. "Prestamos informações por escrito à Defensoria, destacando que não houve qualquer dano ao erário público, mas até hoje não houve resposta", declarou Costa.

No dia 3 de março, haverá uma reunião na subseção de Jundiaí para decidir as medidas que poderão ser adotadas. "Uma das medidas poderá ser os pedidos formulados por todos os advogados do convênio, simultaneamente, de suspensão dos mais de 6.500 processos, até que a situação seja definida", disse.

O diretor tesoureiro da OAB alertou para outra situação de risco ao atendimento, previsto para a cidade de Campo Limpo, onde surgiu a informação de que o pagamento dos advogados inscritos no convênio também poderá ser suspenso. Em Campo Limpo, o convênio Defensoria/OAB é responsável por cerca de 12 mil processos, conduzidos por mais de 150 advogados.

Caso a situação não se resolva, a OAB poderá enviar "nota de protesto" ao próprio Corregedor Geral da Defensoria Pública, para que apure eventuais irregularidades, e informar ao governador José Serra sobre o risco ao atendimento de mais de 12 mil pessoas. O Tribunal de Justiça também poderá ser alertado pela OAB do risco de colapso do Judiciário nas duas cidades, caso a situação das duas cidades chegua a um impasse.

Custo X obrigação

Embora a assistência judiciária seja obrigação do Estado por previsão constitucional, a OAB investe, anualmente, R$ 16 milhões na manutenção de 297 pontos de atendimento em São Paulo. A Defensoria possui 33 pontos de atendimento, que cobrem as cidades mais populosas, como Campinas, Bauru, Ribeirão Preto, São josé do Rio Preto e outras. O atendimento proporcionado pela OAB abrange as cidades menores.

A Defensoria Pública de São Paulo foi criada pela Lei Complementar nº 988, de 9 de janeiro de 2006. Desde 1947, a prestação de assistência judiciária às pessoas carentes de São Paulo era prestado pela Procuradoria de Assistência Judiciária, órgão então vinculado à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Embora a Constituição do Estado de São Paulo já tivesse previsto a criação da Defensoria em 1989, sucessivos governos adiaram a medida. Por isso, São Paulo foi um dos últimos estados a contar com uma Defensoria Pública.

Atualmente, a Defensoria Pública gasta cerca de R$ 270 milhões com o convênio. A instituição conta com 400 defensores públicos e 33 pontos de atendimento, mas ainda luta para ter uma estrutra maior. Estudos recentes apontaram que a Defensora deveria contar no mínimo com 1.500 defensores para dar conta do atendimento em todo o Estado. Embora tenha autonomia funcional, como o Ministério Público e o Judiciário, há controvérsias se a Defensoria possui iniciativa legislativa. Por isso, hoje a instituição ainda depende das iniciativas do Poder Executivo para ampliar a sua estrutura.

Os salários dos defensores representam um terço dos vencimentos recebidos por Promotores de Justiça e Juízes, o que configura uma contradição, pois, na prática, conforme previsão constitucional, não há hierarquia entre as três instituições.

Para muitos analistas, a resistência de sucessivos governos em criar uma Defensoria Pública estruturada está relacionada com o pouco valor que os políticos paulistas dão ao acesso ao Judiciário pela população mais carente.  Há quem afirme até que a classe política, que assiste à crise impassível, encastelada em seus privilégios, não veja com "bons olhos" que o atendimento jurídico à população seja estendido, pois disso poderiam resultar cobranças e e questionamentos que não são do interesse da maioria dos políticos e de seus aliados.

Leia, abaixo, a íntegra da nota da Defensoria Pública de São Paulo:

"COMUNICADO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE 29 DE MARÇO DE 2008

Em relação aos fatos mencionados na Carta Aberta de 28/02/08 divulgada pela OAB /SP à população de Várzea Paulista, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo vem a público esclarecer o seguinte:

1.    Estão suspensos todos os pagamentos de certidões de honorários originadas de indicações de advogados feitas pela Prefeitura do Município de Várzea Paulista, posto que a Defensoria Pública do Estado não possui qualquer convênio com aquela municipalidade.

2.    Todas as certidões de honorários originadas de indicações feitas pela própria Subsecção de Jundiaí da OAB/SP, após a regularização da triagem ocorrida em meados de janeiro de 2008, estão sendo pagas normalmente.

3.    A Defensoria Pública do Estado sucedeu a Procuradoria Geral do Estado em convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo para prestação subsidiária de assistência judiciária às pessoas carentes.

4.    O convênio previa e prevê que a indicação de advogados para atuarem nos processos de pessoas carentes deveria ser feita, onde não há unidade de atendimento da Defensoria Pública do Estado (ou havia da PGE), pela própria Subseção da OAB/SP.

5.    Todos os advogados que se inscrevem para participarem do Convênio DP/OAB assinam termo em que afirmam conhecer todas as cláusulas do referido acordo.

6.    A Defensoria Pública do Estado teve conhecimento, no final de 2007, que a triagem das pessoas carentes e a indicação de advogados na Comarca de Várzea Paulista, ao contrário do que previa o convênio já citado, não eram feitas pela Subseção da OAB/SP de Jundiaí, mas pela Prefeitura daquele município.

7.    Obedecendo aos princípios constitucionais da moralidade e da legalidade, que norteiam a Administração Pública, a Defensoria Pública do Estado suspendeu, cautelarmente, os pagamentos relativos às indicações feitas de forma irregular, em desconformidade com o convênio, e instaurou processo administrativo, que se encontra em andamento, voltado à apuração dos fatos, que deve redundar, em breve, na prolação de uma decisão final acerca da possibilidade de pagamento das certidões.

8.    A Defensoria Pública do Estado não se sujeitará a qualquer ameaça ou pressão, principalmente se for em prejuízo da população carente de Várzea Paulista, que não tem a menor responsabilidade pelas incorreções já mencionadas.

9.    Nos termos do atual Convênio DPE/OAB, se os advogados pedirem a suspensão do andamento de processos em que atuam porque não receberam certidões de honorários de outros processos que foram emitidas irregularmente, eles poderão sofrer sanções previstas no próprio Convênio, inclusive a da exclusão do mesmo.

10. Por fim, a Defensoria Pública do Estado informa que, na hipótese de paralisação das atividades de triagem e de pedidos de suspensão de processos pela Subsecção da OAB/SP de Jundiaí, as atividades jurídicas serão assumidas pela Regional de Jundiaí da Defensoria Pública do Estado, situada à rua Senador Fonseca, 1325, Centro.

 Renato Campos Pinto De Vitto

1º Subdefensor Público-Geral

Respondendo pelo expediente da Defensoria Pública-Geral"



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