ICMS
O Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba, ratificando o Parecer de n.º 2005.01.05.00042, emitido pela Gerência de Tributação da Secretaria de Estado da Receita, proferiu o Acórdão n.º 163/2006, ambos adiante transcritos:PARECER N.º 2005.01.05.00042
"CONSULTA FISCAL. Isenção de mercadorias na operação interna. Se ocorrida a operação entre contribuinte de um Estado e consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em outro, aplica-se o regime tributário imposto às operações internas. Hermenêutica do art. 155, § 2º, VII, "b" da CF/88."
ACÓRDÃO N.º 163/2006
CONSULTA FISCAL – Ratificação de entendimento.
Desmerece qualquer reparo a resposta dada a consulta consubstanciada pelo órgão competente, corroborando que seja considerada operação interna às vendas de medicamentos sujeitos a isenção, destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto localizado em outra unidade da Federação.
Reputando equivocados o Parecer e o Acórdão supra, urge se insurgir contra o entendimento por eles firmado, com o fim de chamar a atenção para a necessidade de estabelecer um posicionamento justo e sobretudo legal, pois que perfeitamente harmonioso com a legislação que rege o assunto.
A partir da opção por uma abordagem didática e apresentada com cadência, há de se iniciar destacando que as operações de vendas de mercadorias podem estar albergadas no rol de operações internas, interestaduais ou de exportação. Os termos "internas", "interestaduais" e "de exportação" são auto-explicativos e dispensam a inclusão no ordenamento jurídico de dispositivos que venham a conceituar cada um deles. A clareza que lhes é intrínseca habilita qualquer homem médio a depreender o que o legislador quis definir com cada uma dessas expressões. É exatamente por isso que qualquer pretensão de restrição ou ampliação do sentido natural dos termos exige uma manifestação explícita. É o que se vê na Lei n.º 6.379/96 (ICMS/PB), quando o legislador inseriu na Seção que dispõe sobre alíquotas o seguinte texto:
Parágrafo único. Para efeito deste artigo, considera-se como operação interna aquela em que: (g.n.)Art.11,
IV - o destinatário da mercadoria ou do serviço seja consumidor final, não contribuinte do imposto, localizado em outro Estado.
Entretanto, movidas pelo desejo de reduzir sua carga tributária, as empresas têm se esforçado para caracterizar como operação interna as vendas para consumidor final não contribuinte do ICMS domiciliados em outras unidades da federação, visando, especificamente, o ganho nas operações interestaduais com mercadorias cujas vendas em operações internas são beneficiadas com o instituto da isenção. Em sua luta, ignoram que o dispositivo acima transcrito não tem o condão de mudar a natureza da operação, mas tão somente de dizer que para essa operação existe uma excepcionalidade pela qual se aplica a alíquota própria de uma operação interna, afinal de contas o texto (Seção I do Capítulo II do Livro Primeiro – Das Alíquotas, Lei 6.379/96) trata especificamente de alíquotas e estas são definidas segundo o tipo de operação. Ou seja, primeiro identifica-se a operação e de acordo com esta se aplica uma determinada alíquota. Resumindo, não é a alíquota que define o tipo de operação, mas é a operação que precede a definição de alíquota. O legislador quis estender o significado de uma operação interna e ao fazer deixou muito claro que aquela abrangência somente se aplicaria para o efeito daquele artigo, ou seja, para o art. 11 da Lei n.º 6.379/96. Aliás, a Lei Estadual se fundamenta no art. 155 da Carta Magna, adiante transcrito, mas esforçando-se para não repetir o texto constitucional, usa uma redação de má qualidade, uma vez que a Constituição destaca o uso da alíquota própria de uma operação interna nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, quando o destinatário não for contribuinte dele. Fácil é constatar que a vontade do legislador não foi de afirmar que tal operação passa a ser considerada uma operação interna, mas tão somente de definir a alíquota aplicável.
Art. 155, § 2.º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:(g.n.)
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;(g.n.)
VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
Ou seja, o legislador constituinte não diz que são consideradas internas as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado. Ele apenas define alíquotas que variam conforme o destinatário seja ou não contribuinte do imposto.
Quando se trata de operação interna aplica-se a alíquota interna sem maiores delongas. Ou seja, o caminho lógico é definir a operação e a partir dela definir a alíquota. No caso de operações interestaduais, aplica-se a alíquota interestadual ou interna em função do destinatário. Não se pode conceber, pois, a tentativa de definir o tipo de operação, se interna ou interestadual, a partir da alíquota. A fixação de uma alíquota interna para as operações que destinem bem a consumidor final localizado em outro Estado, não contribuinte do imposto, tem tão somente o fim de assegurar a tributação em sua totalidade ("alíquota cheia"), haja vista ser impossível promover a repartição de receita entre os Estados onde são domiciliados vendedor e comprador, uma vez que somente quando o destinatário é contribuinte do imposto torna-se viável a aplicação da alíquota interestadual e a conseqüente destinação da diferença de alíquota ao Estado destinatário, na forma do inciso VIII do § 2º do art. 155, supra. Assim, mesmo se tratando de uma operação interestadual em que a alíquota aplicável é 12% (doze por cento), a lei estabelece que caso essa operação interestadual não enseje nenhuma outra tributação deve-se aplicar a alíquota própria das operações internas, qual seja, 17% (dezessete por cento). Aliás, torna-se de bom alvitre destacar que, via de regra, não existe a previsão de uma alíquota inferior à chamada "alíquota cheia" senão nas situações em que ela "se completa" posteriormente mediante a exigência da diferença, o que não se concebe quando o destinatário é consumidor final não contribuinte do imposto.
Dito com poucas palavras, a regra geral é ter alíquotas internas em operações internas, mas isso não autoriza afirmar que é interna toda operação sobre a qual for aplicável uma alíquota interna, porque não é a alíquota que define a operação, mas o inverso.
Por outro lado, alguns entendem que a inexistência de um conceito explícito do que venha a ser operação interna autoriza concluir que a norma contida no inciso IV do parágrafo único do art. 11 da Lei n.º 6.379/96 se aplica amplamente. Se assim fosse, qual seria a justificativa para o legislador inserir a expressão "para efeito deste artigo", senão a de restringir a sua aplicação apenas para aquele artigo? Na interpretação jurídica de uma norma deve-se primeiramente partir do pressuposto de que não existe letra morta, ou seja, o legislador não escreve em vão. Assim, uma interpretação que simplesmente ignora a vontade do legislador, desconsiderando suas palavras, não é interpretação e sim legislação, na medida em que o intérprete passa a criar uma nova lei.
Como se não bastasse, o Código Tributário Nacional estabelece que a legislação tributária que dispõe sobre isenções deve ser interpretada de forma literal. É do que diz o art. 111, inciso II, do Código Tributário Nacional:
Art. 111 – Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
II – outorga de isenção.
O significado da interpretação literal preconizada pelo dispositivo acima é o de interpretação restritiva. Como a isenção é uma exceção à regra de tributação, a ela aplica-se o princípio geral de hermenêutica segundo o qual as exceções são interpretadas restritivamente. Neste sentido, Hugo de Brito Machado ensina que "o direito excepcional deve ser interpretado literalmente e este princípio de hermenêutica justifica a regra do art. 111 do CTN, impondo a interpretação literal".
Logo, não podemos estender o significado de operação interna, previsto somente para fixação de alíquotas, com o fim de considerar albergada numa previsão de isenção específica para uma operação interna uma venda para consumidor final localizado em outra unidade da federação, ainda que não contribuinte do ICMS. Em outras palavras, uma isenção aplicável a vendas internas de uma determinada mercadoria não pode ser considerada para isentar a venda da mesma mercadoria para alguém que tem domicílio em outro Estado. Ademais, qual o interesse de um Estado em conceder uma isenção para beneficiar entidade ou pessoa domiciliada em outra unidade da Federação?
A regra é justamente o contrário e por ela somente existirá isenção se esta for claramente prevista na legislação, por se tratar de uma exceção. De igual forma, não há espaço para uma interpretação mais forçada pela qual se possa afirmar que há uma vinculação entre isenção e alíquota, uma vez que não se pode confundir situação tributária (tributação normal, substituição tributária, isenção, não-incidência, imunidade) com fixação de alíquotas, sabendo-se, inclusive, que mesmo a alíquota zero não tem a mesma natureza jurídica da isenção.
O texto do dispositivo legal (RICMS/PB) que suscitou a presente discussão está no Capítulo das Isenções, mais especificamente no inciso LIII de seu art. 5º, quando afirma que são isentas do imposto as operações internas com medicamentos quimioterápicos usados no tratamento de câncer. Na técnica legislativa é comum a utilização das expressões "para os efeitos de", "para os fins" e outras semelhantes e sua inclusão num texto não é indiferente, mas tem o explícito fim de chamar a atenção acerca da restrição de conceitos ou conteúdos. Somente para exemplificar, como se necessário fosse, seguem abaixo textos extraídos da legislação tributária – Código Tributário Nacional e o próprio Regulamento do ICMS do Estado da Paraíba – que fazem uso da expressão "para os efeitos de" ou outras similares, percebendo-se claramente, em todas elas, o seu caráter restritivo.
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los. (g.n.)
No exemplo supra, fica claro que a inaplicabilidade alcança tão somente os efeitos que se relacionam com a legislação tributária. Eventuais disposições excludentes ou limitativas do direito mencionado que não guardem relação com o exercício da fiscalização de tributos produzirão normalmente seus efeitos.
RICMS/PB
Art. 33. Fica reduzida a base de cálculo do ICMS nas operações seguintes, de forma que a carga tributária resulte nos percentuais abaixo indicados:
I - até 31 de dezembro de 2010, 3,4% (três inteiros e quatro décimos por cento) do valor da operação, nas saídas internas de leite pasteurizado tipo "B" e "C", de estabelecimento industrial, observado o disposto no § 1º deste artigo e no inciso XX do art. 5º;
§ 1º Para os efeitos do inciso I, consideram-se também como operações internas as entradas de leite pasteurizado procedentes de outras unidades da Federação com exoneração tributária. (g.n.)
O disposto no § 1º supra não tem nenhum outro efeito que não a redução de base de cálculo. Essa é a diferença que faz o uso da expressão "para os efeitos". Sua finalidade é tão somente enquadrar a operação que especifica no benefício previsto no inciso I. Dito de outra forma, a operação não deixou de ser interestadual, uma vez que emitente e destinatário da nota fiscal se encontram em diferentes unidades da Federação.
RICMS/PB
Art. 33. Fica reduzida a base de cálculo do ICMS nas operações seguintes, de forma que a carga tributária resulte nos percentuais abaixo indicados:
II - até 30 de abril de 2001, nas operações com máquinas, aparelhos e equipamentos industriais, arrolados no Anexo 10, de forma que a carga tributária seja equivalente aos percentuais seguintes, observado o disposto nos §§ 2º, 3º e 4º deste artigo e no inciso X do art. 87 (Convênios ICMS 52/91, 87/91, 90/91, 13/92, 148/92, 02/93, 124/93, 22/95, 21/96, 21/97, 23/98 e 05/99):
Prorrogado até 30.04.08 o prazo do inciso II do art. 33 pelo inciso III do art. 5º do Decreto nº 29.030/08 - DOE de 29.01.08 - (Convênio ICMS 148/07).
c) nas operações interestaduais com consumidor ou usuário final, não contribuintes do imposto, e nas operações internas: 8,8% (Convênio ICMS 01/00);(g.n.)
III - até 30 de abril de 2001, nas operações com máquinas e implementos agrícolas, arrolados no Anexo 11, de forma que a carga tributária seja equivalente aos percentuais seguintes, observado o disposto nos §§ 2º, 3º e 4º deste artigo e no inciso X do art. 87 (Convênios ICMS 52/91, 87/91, 90/91, 13/92, 148/92, 02/93, 65/93, 124/93, 22/95, 21/96, 21/97, 23/98 e 05/99):
Prorrogado até 30.04.08 o prazo do inciso III do art. 33 pelo inciso III do art. 5º do Decreto nº 29.030/08 - DOE de 29.01.08 - (Convênio ICMS 148/07).
c) nas operações interestaduais com consumidor ou usuário final, não contribuintes do imposto, e nas operações internas: 5,6% (Convênio ICMS 01/00);(g.n.)
O disposto na alínea "c" do inciso II do art. 33, assim como na alínea "c" do inciso III do mesmo artigo (RICMS/PB) se refere explicitamente a operações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto, lançando por terra o esforço de usar o inciso IV do parágrafo único do art. 13 (RICMS/PB, reproduzindo o inciso IV do parágrafo único do art. 11 da Lei Estadual n.º 6.379/96), para afirmar que são operações internas aquelas nas quais o destinatário da mercadoria ou do serviço seja consumidor final, não contribuinte do imposto, localizado em outro Estado. O disposto no inciso IV do parágrafo único do art. 13 (RICMS/PB) tem a finalidade de especificar a alíquota para a referida operação, mesmo porque o artigo trata da especificação de alíquotas e compõe o Capítulo I – DAS ALÍQUOTAS, do Título II – DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, refletindo que a identificação da alíquota ocorre a partir da identificação da operação e não o contrário.
RICMS/PB
Art. 197. A Nota Fiscal de Serviço de Transporte, modelo 7, Anexo 20, será utilizada:
I - pelas agências de viagem ou por quaisquer transportadores que executarem serviços de transporte intermunicipal, interestadual e internacional de turistas e de outras pessoas, em veículos próprios ou afretados;
Parágrafo único. Para os efeitos do inciso I, considera-se veículo próprio, além do que se achar registrado em nome da pessoa, aquele por ela operado em regime de locação ou qualquer outra forma. (g.n.)
O uso da expressão "para os efeitos do inciso I", supra, restringe o uso do conceito que o dispositivo atribui a veículo próprio ao enquadramento na obrigatoriedade de utilização de nota fiscal de serviço de transporte. Para efeitos de auditoria contábil nas contas do ativo permanente de uma empresa, por exemplo, o mesmo veículo não será considerado próprio. Semelhantemente, a declaração de imposto de renda pessoa jurídica da empresa que utiliza um veículo afretado não incluirá tal bem como sendo próprio. Ou seja, o disposto no parágrafo único do art. 197 do RICMS/PB tem sua aplicação limitada pela presença da expressão "para os efeitos", ainda que o RICMS/PB não defina "veículo próprio" em nenhum outro momento.
RICMS/PB
Art. 263. Os contribuintes do imposto, excetuados os produtores rurais não equiparados a comerciante ou industrial e os sujeitos ao regime de recolhimento fonte, apresentarão a Guia de Informação Mensal do ICMS - GIM, conforme especificações técnicas previstas nos Anexos 06 e 46.
§ 13. Considera-se produtores rurais não equiparados a comerciante ou industrial, para efeito deste artigo, os contribuintes pessoa física, sem organização administrativa-fiscal, cuja receita bruta anual seja igual ao da microempresa, na forma da legislação estadual.(g.n.)
Aqui, o legislador, ao dispensar da apresentação da GIM os produtores rurais não equiparados a comerciante ou industrial, achou mais conveniente considerar como tais um vendedor ambulante, por exemplo, do que se referir explicitamente a dispensa para os contribuintes pessoa física, sem organização administrativa-fiscal e receita bruta anual igual a da microempresa. Obviamente, essa caracterização do vendedor ambulante, do fiteiro, etc, se restringe tão somente ao critério para dispensa ou obrigatoriedade de apresentação da GIM.
Por fim, para não ignorar o argumento dos que entendem que o foco da isenção dos medicamentos quimioterápicos usados no tratamento do câncer é beneficiar o consumidor final, é preciso levar em conta que se o legislador tivesse o intuito de beneficiar o consumidor final não contribuinte do imposto, independentemente de seu domicílio fiscal, teria substituído no dispositivo concessor da referida isenção, a expressão "internas" pela expressão "destinados a consumidor final". Com muita propriedade, o texto do inciso LIII do art. 5º do Regulamento do ICMS do Estado da Paraíba, em vez de afirmar que são isentas do imposto as operações internas com medicamentos quimioterápicos usados no tratamento de câncer, afirmaria que são isentas do imposto as operações destinadas a consumidor final com medicamentos quimioterápicos usados no tratamento de câncer.
Ante o exposto, torna-se evidente que são interestaduais as operações realizadas entre um contribuinte e um consumidor final não contribuinte do ICMS, localizados em diferentes unidades da federação, não sendo tais operações, portanto, alcançadas pelos benefícios fiscais concedidos às operações internas.