OAB tenta esfriar crise com promotores
Um dos principais atores da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na troca de farpas com o Ministério Público de São Paulo, o jurista Alberto Zacharias Toron acha que é hora de cada instituição seguir seu trabalho e pôr um fim nas discussões entre elas. “É uma posição pessoal do procurador de Justiça, não reflete integralmente a posição dos membros do Ministério Público de São Paulo”, afirmou.Ele se referia ao procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho, que criticou a OAB por divulgar em seu site uma lista com os nomes de promotores e juízes que, segundo a entidade, de alguma forma teriam prejudicado o livre exercício da advocacia. Há duas semanas, em ato de desagravo a dois promotores de São Paulo e um de Minas, Pinho chamou a lista de “fascista, absolutamente ilegal e inconstitucional”. Para Toron, o procurador violou prerrogativas da classe.
Fevereiro tem sido um mês tenso nas relações entre as entidades do Direito. Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciaram a temporada de troca de farpas ao recusar todos os seis nomes da lista de candidatos a ocupar uma vaga na corte apresentada pela OAB. Alegaram que os candidatos não eram qualificados nem experientes o suficiente. O desentendimento trouxe à tona a discussão sobre a pertinência do quinto constitucional, ou seja, a reserva de um quinto das vagas dos tribunais superiores para membros de fora do Judiciário.
Depois foi a vez de o Ministério Público paulista se desentender com a OAB, por causa da lista de desafeto. Numa reação às declarações de Pinho, a OAB promoveu um ato na segunda-feira, em que seus integrantes fizeram pesadas críticas à procuradoria.
No ato, Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB de São Paulo, defendeu a criminalização de promotores que violarem as prerrogativas da advocacia. “Comete crime de autoridade quem viola a lei, os primados constitucionais, rasga a Constituição e mutila o Estado Democrático de Direito.”
Para rebater as críticas de Pinho, Toron, orador no ato, mencionou a invasão da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, em 1977, pela qual ninguém foi condenado. Já o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cocenzo, pediu que as instituições se desarmem, e afirmou não ver indícios de fascismo na conduta da OAB ou do Ministério Público. “A OAB não é fascista, pelo contrário: foi importante na redemocratização.”
ENTREVISTA
'Essa questão merece um ponto final'
Alberto Zacharias Toron: secretário-geral da OAB-SP. Orador do ato de desagravo da OAB afirma ter bom relacionamento com promotores e procuradores
O senhor achou exagerada a manifestação do procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho, que classificou de ilegal e fascista a lista de desafetos da OAB?
Acho importante ressaltar que essa questão já merece um ponto final. Acho que o Ministério Público tem todo o direito de reclamar dos procedimentos e decisões da OAB, e vice-versa. O que ninguém tem o direito de fazer é qualificar os outros como fascista. Se não, posso dizer que fascista é quem desrespeita as leis e prerrogativas de atuação do advogado. Acho que essa adjetivação é péssima, mas criticar e discordar é parte do jogo, é salutar. A OAB sempre esteve aberta a corrigir seus rumos e a reconhecer seus erros, mas ofensas são intoleráveis e inaceitáveis, desqualificam quem as profere.
É uma crise institucional?
Não, não acho. É uma posição pessoal do procurador de Justiça, não reflete integralmente a posição dos membros do Ministério Público de São Paulo. Estive ontem e hoje no Tribunal de Justiça, fui calorosamente saudado por dois procuradores e os saudei calorosamente também. Sabem que sou diretor da OAB, devem saber o que está acontecendo e foram muito cordiais comigo. Não acho que é uma crise de maiores proporções. Acho só que as pessoas deveriam se policiar para não ofender os demais, isso resolve.
Fora as farpas dos últimos dias, o sr. tem visto obstáculos à atividade dos advogados por parte de integrantes do Ministério Público?
Já recebi queixas sobre promotores que não receberam advogados, promotores que querem ostentar, que se sentam e não cumprimentam os advogados. Mas aí é mais no campo da falta de educação. São coisas pontuais, atos isolados que não representam a conduta do Ministério Público. Tenho, particularmente, ótimas relações com gente do MP, tenho amigos lá, defendi e defendo vários promotores.
O sr. citou a invasão da PUC como exemplo de omissão do Ministério Público. É alguma comparação com sua atuação hoje?
Não. É só para lembrar que, enquanto nós lutávamos pela redemocratização do País, o Ministério Público arquivava gestos de autoritarismo descarado, de brutalidade e abuso de poder sem par. Para nos chamar de fascistas, acho que é preciso olhar para o próprio umbigo.
Deve ser criado mecanismo para criminalizar o desrespeito às prerrogativas de advogados?
A violação às prerrogativas profissionais do advogado já é contemplada como crime pela Lei de Abuso de Autoridade. O que queremos, na verdade, é reforçá-la, a exemplo do que foi feito com a figura da injúria racista, que foi criada para realçar a importância do respeito à dignidade racial. Da mesma forma que a lei de abuso já contempla a incriminação no que diz respeito às atividades dos advogados, o que se quer é um maior destaque, uma lei regulando essa matéria, um reforço.
'Instituições deveriam buscar entendimento'
José Carlos Cocenzo: presidente da Conamp. Chefe da Associação dos Membros do Ministério Público acha que reação da OAB é desproporcional e ‘claramente corporativa’
A atuação da OAB tem atrapalhado o Ministério Público?
As duas instituições deveriam repensar os casos específicos e buscar um entendimento global. Enquanto se discute e os ânimos se acirram entre promotores e advogados, deixamos em segundo plano o foco fundamental, que é o interesse da sociedade.
Qual a forma de retomar o foco?
O primeiro passo é: as pessoas envolvidas na celeuma têm de se despir de vaidades e interesses corporativos. Cada parte tem seu interesse e, apesar de terem a representação formal das instituições, não representam o interesse absoluto de advogados nem de promotores.
A OAB paulista defendeu a criminalização de promotores, caso ajam irregularmente...
A proposta é absurda, sob qualquer hipótese. Já existem mecanismos jurídicos e administrativos suficientes para penalizar promotores que atuam fora dos limites da lei. O promotor que atua com excesso comete abuso de autoridade. Não precisa a OAB dizer, a legislação já diz isso. Acho que foi mais uma atuação corporativa do que a defesa de uma situação jurídica, que já existe.
Ao condenar a lista de desafetos, o procurador-geral de Justiça deu motivos para a resposta da OAB?
A reação da OAB foi desproporcional e claramente corporativa. O Ministério Público não concorda, em hipótese alguma, com uma lista com nomes de seus integrantes tachados como inimigos da Ordem, assim como não podemos admitir que procuradores façam uma lista de advogados inimigos. Mas, ao mesmo tempo, a grande maioria dos membros do Ministério Público não vê a Ordem como instituição fascista. O que vejo é que Pinho fez um desabafo em relação a uma conduta que a OAB adotou unilateralmente. A OAB não tem poderes para isso, não tem mecanismos legais. Acho que a OAB errou nisso. A Conamp já pediu providências à OAB quanto a essa lista e não recebemos resposta da cúpula, que deveria frear esse processo.
O senhor vê traços de fascismo na conduta da OAB?
A OAB não é fascista, pelo contrário: ela foi essencial no processo de redemocratização do País. Mas não podemos ver a Ordem tendo uma atuação despropositada por causa de uma reação a um ato isolado dela. A crítica do Ministério Público é em decorrência de uma atuação ilegal.
O Ministério Público foi omisso nos casos citados pela Ordem?
Não concordo em rotular a OAB de fascista e acho que ela não deve criticar o Ministério Público por sua postura no regime militar. Talvez os advogados não saibam a quantidade de promotores cassados porque defenderam o regime democrático. É impossível transpor isso para os tempos de hoje. O Ministério Público se engajou na defesa do regime democrático a partir da Constituição de 1988. Antes sua atuação era marcadamente individual. Não tínhamos mecanismos jurídicos para fazer a defesa coletiva da sociedade.
Paulo Darcie