Reconhecimento de maternidade e paternidade biológica prevalece sobre filiação sócio-afetiva
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proveu o pedido de M.G.A. contra os herdeiros de seus pais biológicos, N.O.F. e M.V., respectivamente pai e mãe. M.G.A. recorreu ao STJ porque a segunda instância da Justiça gaúcha lhe negou o reconhecimento da paternidade e maternidade biológica nos registros públicos.A Terceira Turma do STJ, baseada no voto da ministra Nancy Andrighi, entendeu não ser correto impedir uma pessoa, qualquer que seja sua história de vida, de ter esclarecida sua verdade biológica. Para a Turma, o reconhecimento da paternidade biológica deve prevalecer quando concorrente com a paternidade sócio-afetiva ou jurídica, observadas as peculiaridades do processo. Isso porque a “adoção à brasileira”, inserida no contexto de filiação sócio-afetiva, caracteriza-se pelo reconhecimento voluntário da maternidade/paternidade, na qual, fugindo das exigências legais pertinentes ao procedimento de adoção, o casal (ou apenas um dos companheiros) simplesmente registra a criança como filha sem as cautelas judiciais impostas pelo Estado, necessárias à proteção especial que deve recair sobre os interesses do menor.
De acordo com a ministra relatora, M.G.A. não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos, tampouco pela omissão dos pais registrais, apenas sanada, na hipótese, quando ela já contava 50 anos de idade. Embora ela tenha sido acolhida em um lar adotivo e usufruído de uma relação sócio-afetiva, nada lhe retira o direito, ao tomar conhecimento de sua real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi negada desde o nascimento até a idade madura. Portanto prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico, quando presente a falta de concordância com a situação enganosa.
Entenda o caso
Em outubro de 1999, M.G.A. ajuizou ação de paternidade e maternidade em face de N.O.F. e da herdeira de M.V. Segundo ela, N.O.F., de tradicional família da região, teve um caso com M.V., que trabalhava para os pais dele. Desse relacionamento, ela nasceu. Para evitar boatos a respeito do ocorrido, M.V. foi obrigada a se afastar da família para quem trabalhava. Com isso, acabou entregando a criança para um casal. Eles a acolheram e a registraram como filha.
Em julho de 2003, foi feito o exame de DNA. O exame mostrou um índice de 99,97% de probabilidade de N.O.F. ser pai biológico de M.G.A. e de 68% de probabilidade de M.V. ser sua mãe biológica. Porém o laboratório responsável pela perícia genética explicou que deveria ser colhido material de outros parentes de M.V. para obtenção de resultados mais precisos quanto à maternidade. Para o laboratório, o material foi colhido da suposta irmã, E.V.K., que o é apenas por parte de mãe, ou seja, não compartilham o mesmo pai.
Em depoimento prestado, E.V.K. afirmou que M.G.A. era sua irmã. De acordo com ela, sua mãe não tinha condições de criar a criança na época e, por isso, entregou-a para o casal criá-la. Em setembro do mesmo ano, N.O.F. faleceu. Ele foi substituído processualmente pelo seu herdeiro.
Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente para declarar N.O.F. e M.V., respectivamente, pai e mãe biológicos de M.G.A. O herdeiro de N.O.F apelou da sentença. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proveu a apelação ao entendimento de que, ao registrar a criança, o casal fez uma “adoção à brasileira”, depois, tornaram-se os pais sócio-afetivos dela. Verdade sócio-afetiva que prevalece sobre a verdade genética. Esse posicionamento foi reformado por unanimidade pela Terceira Turma do STJ.