Vítimas de violência doméstica podem retirar representação para preservar harmonia familiar
Vítimas de violência doméstica podem retirar representação para preservar harmonia familiar |
Publicado em 28 de Agosto de 2007 às 08h54 |
Possibilidade de retratação é prevista na própria Lei Maria da Penha, mas Juiz e Ministério Público devem estar atentos para descobrir se a atitude da vítima é ou não espontânea. Decisões recentes das duas turmas criminais do TJDFT reconhecem a faculdade que a mulher vítima de violência doméstica tem de se retratar, em juízo, da representação feita contra o companheiro agressor. Segundo os Desembargadores, a possibilidade está prevista no artigo 16 da própria Lei Maria da Penha, mas deve receber atenção especial do Ministério Público e do Juiz. Ambos têm o poder de analisar se a atitude da vítima é ou não espontânea. O objetivo da retratação, que deve ocorrer em audiência marcada especialmente para esse fim, é permitir a restauração dos laços familiares. Segundo entendimento dos Desembargdores, o papel do Juiz na audiência não é simplesmente homologar o pedido da vítima. “O objetivo da lei, dever do Ministério Público e do Juiz, é perquirir, efetivamente, por todos os meios, a motivação do pedido da vítima”, esclarecem. Embora faculte à vítima a possibilidade de voltar atrás na sua representação, a lei impõe um momento processual para isso: a retratação deve acontecer antes do recebimento da denúncia. O objetivo desse limite é fiscalizar a vontade das vítimas de violência doméstica, evitando que a retratação aconteça por ingerência e força do agressor. Mas a faculdade não está aberta para qualquer tipo de violência. Apenas em casos de lesões corporais leves a vítima poderá se retratar da representação feita. Lesões corporais de natureza grave e tentativas de homicídio não estão abrangidas nessa possibilidade. Para essas situações, a ação criminal é incondicionada, o que significa dizer que, independentemente da vontade da vítima em continuar ou não com o processo, o agressor responderá pelo crime na Justiça. Tudo em nome do interesse público. A natureza da violência é um ponto fundamental para compreender as novas decisões de 2ª instância. Existem crimes em que a violência é evidente e que mesmo assim a vontade da vítima é respeitada. É o caso, por exemplo, dos delitos contra a liberdade sexual, como o estupro e o atentado violento ao pudor. Ambos dependem de representação da vítima, se esta não tiver condições financeiras para arcar com despesas processuais, caso em que a ação penal será proposta pelo Ministério Público, podendo haver a retratação até o oferecimento da denúncia. Se a mulher, vitimada, tem recursos financeiros, poderá ou não contratar advogado e ingressar com queixa-crime. Por razões de foro íntimo, muitas vítimas preferem não representar ou não ingressar com queixa-crime contra seu algoz. Importante considerar ainda que, conforme entendimento dos Desembargadores, o magistrado deve recusar a retratação caso exista alguma dúvida quanto à vontade real da mulher agredida quando resolve se retratar. Reiteração da violência doméstica e familiar, maus antecedentes criminais do agressor, seriedade e gravidade das circunstâncias envolvidas no momento da violência são indicadores desfavoráveis à retratação. Casos concretos Todas as decisões dependerão da análise de cada caso concretamente. Num dos casos apreciados pela 1ª Turma Criminal, cujo acórdão foi publicado na 1ª semana de agosto, a retratação da vítima foi recusada por unanimidade. Um relatório técnico juntado aos autos informa que as ações de violência contra os filhos e a companheira ocorrem desde 2004. Segundo o parecer, os filhos do casal estão atualmente vivendo em abrigos para menores em situação de risco, diante da gravidade do quadro familiar. “Nesse contexto, há de se recusar a pretendida retratação, possível em tese, mas seguramente não espontânea no caso concreto e não servindo ao restabelecimento de uma saudável convivência familiar”, destacaram os Magistrados. A 2ª Turma Criminal também analisou situação semelhante em que a vítima, em audiência e na presença do representante do MP e do Juiz, não demonstrou interesse no prosseguimento do feito. No entendimento dos Desembargadores, a vontade da mulher deve ser respeitada, já que nem o Procurador de Justiça apontou vício na manifestação da vontade da vítima. Este julgamento deve ser publicado em breve. Os dois casos são apenas parâmetros para se ter uma idéia de como a Justiça do Distrito Federal vem tratando o assunto. O objetivo maior a ser alcançado com as decisões é a pacificação social e a estabilidade nas relações familiares, como forma de preservação da dignidade da pessoa humana. |